22.1.10

Estado de espírito


Sentada a uma mesa, perdida em pensamentos sinto-me deslocada, no lugar e no tempo. Nada parece ser meu, nada parece fazer grande sentido, cenas quotidianas outrora tão rotineiras e monótonas parecem-me hoje ridículas, tudo me soa a estranho.
Observadora experiente, abstraio-me do barulho e distancio-me das conversas, dos que me rodeiam e tento analisar a cena de fora. Conversas fúteis e sem o mínimo interesse são tidas e coisas realmente importantes de serem ditas, de serem ouvidas são caladas, aprisionadas na garganta, para sempre talvez!
No fim cada um irá para seu lado, sem saber quando se voltarão a ver, sequer se de novo se verão.
De novo apenas concentrada nos meus pensamentos apercebo-me da fragilidade de tudo que me rodeia, de relações, amizades, acções ou palavras. Não consigo deixar de visualizar cada pessoa que enche aquela sala como simples marioneta, manipulada nas mãos hábeis de um alguém desconhecido, desprovida de qualquer vontade própria, agindo apenas porque assim foram “programadas”, cingindo-se a rotinas e hábitos, simplesmente porque toda a vida somente isso fizeram, só isso viram ser feito, incapazes de se libertarem e procurar novos horizontes, novas vivências, novos valores e, se algum audaz tenta cortar as amarras que lhe dificultam os movimentos e romper com aquela letargia é olhado de lado, de modo desconfiado e tido como insano.
E é nestas rotinas do dia-a-dia que coisas importantes e coisas insignificantes trocam de papéis, as primeiras são subvalorizadas, as segundas valorizadas em demasia. Dinheiro, status e bens materiais tornam-se nas metas a atingir, no objectivo de uma vida inteira. Re
lações interpessoais são estabelecidas com prazo de validade predefinido e desde do início se espera que fracassem e como tal o investimento de parte a parte é mínimo ou até mesmo nulo.
Na azáfama diária amigos se desencontram, amores acabam por falta de tempo, de paciência talvez. Pouco importa no mundo capitalista em que vivemos outros haverá para os substituir, seja apenas por puro interesse de um dos lados ou por “dar jeito” a ambas as partes, ou pela incapacidade do ser humano existir isolado da sociedade.
Com o passar dos anos, as pessoas crescem, as responsabilidades aumentam, os sorrisos sinceros e os momentos de puro prazer diminuem e diluem-se no ar, feito fantasma.
Amigos, amantes, filhos são tidos como apoios certos em momentos de dificuldade, mas muitas vezes também estes se encontram aprisionados nas suas vidas onde o materialismo é dono e senhor e se mostram incapazes de ajudar, e é desta forma que acaba toda uma vida de trabalho e esforço de alguém com uma bonita casa, uma conta recheada no banco mas completamente sozinha! Esquecida pelos seus entes queridos naquela casa outrora tão acolhedora e cheia de vida ou então abandonada num lar entre desconhecidos com a mesma sorte, apenas podem contar com o auxílio de estranhos.
Será talvez por tudo isto que não me inibo de dizer o quanto gosto das pessoas (mesmo sabendo o quanto um amo-te ou adoro-te se tornou banal, as palavras ocas e vazias de significado e sentimento) que aproveito todas as oportunidades para distribuir abraços (para mim, a personificação daqueles momentos de puro prazer), que não desisto de amizades sem pelo menos lutar por elas.

Mas tenho a perfeita noção que mais tarde ou mais cedo também eu serei incapaz de resistir a não integrar esse ciclo vicioso que personaliza a sociedade actual, pois parece algo inato no ser humano.